FONTE: REVISTA VICE
Este brasileiro busca a imortalidade inseminando desconhecidas
Com ajuda da esposa, João Carlos, 61, engravidou pelo menos 49 mulheres.

“Eu sempre quis ser mãe. De uma forma ou de outra isso ia acontecer na minha vida”, conta Júlia. A única coisa que ela não esperava era conseguir realizar esse sonho de uma forma tão mais prática e fácil do que imaginou.
Filha única e lésbica assumida desde muito nova, ela sempre nutriu o sonho de ter um filho com a ajuda de um doador de sêmen não-anônimo. “Eu descobri um grupo no Facebook e um método totalmente diferente e sem custos. Nesse grupo, o João era um dos doadores com mais credibilidade entre as tentantes [nome dado a mulheres que tentam engravidar através da IC]”, revela à VICE.

O João, ao qual Júlia se refere, é o cientista da computação João Carlos Holland Barcellos, de 61 anos. Desde 2015 ele e a esposa, Luíza, disponibilizam quartos da própria casa, na Zona Oeste de São Paulo, para mulheres que desejam passar pelo procedimento em que Jocax, como prefere ser chamado, é o doador de espermatozóides.
Do imóvel, três cômodos são utilizados para que as ICs aconteçam. O recinto é bem simples: paredes verde-claras, iluminação amarelada, uma cama, alguns móveis, almofadas, ventilador e cobertores. O casal alugou uma casa maior justamente para poder receber mais de uma tentante por dia. Por R$ 100 a mulher que se submeterá ao procedimento e sua acompanhante têm direito a banho, internet, café da manhã, almoço e janta. Mas é lá pelas 21h que o segundo andar do sobrado fica mais agitado.
Como tudo acontece
As tentantes são orientadas por ele, por meio de um grupo do Facebook e WhatsApp, a identificarem o período fértil e o dia de ovulação. É nesse momento que elas entram em contato com o casal e marcam o melhor dia para que a fecundação aconteça.
Em algum momento oportuno da noite Jocax e Luíza transam. Após o ato, ela coleta o sêmen do marido e leva a um dos quartos localizados na parte de trás da casa. Quando tem mais de uma tentante na mesma noite, uma só ejaculação é suficiente para até três mulheres. O líquido é injetado no útero das tentantes por elas mesmas ou com ajuda da própria Luíza, com o auxílio de um espéculo, uma pipeta (usada também para inseminações caninas) e uma seringa.

Após o procedimento, 30 minutos com os pés para cima são suficientes. O teste de gravidez positivo deve chegar em duas semanas, indicando o sucesso do procedimento. As inseminações caseiras realizadas pelo casal já renderam pelo menos 99 testes de gravidez positivos em mulheres espalhadas por todo o Brasil e 49 bebês já nascidos. Na vida pessoal, Jocax é pai de outras 15 crianças.
O doador se isenta de qualquer direito ou dever a respeito das crianças fruto da inseminação e, apenas se a mãe quiser, pode ser feito um contrato alegando que ele apenas doa o sêmen para que a gravidez aconteça. Do contrário, é tudo feito na base da confiança.
As mulheres que buscam o procedimento são em grande maioria homoafetivas, mas João Carlos revela que heterossexuais também já engravidaram por meio do método. “A gente só não deixa o homem entrar em casa, mas a tentante pode vir com a mãe, irmã, amiga, tanto faz.”
Genética e Genismo
Conforme descrito em seu site, Jocax é loiro grisalho, tem olhos azuis, 1.80 de altura, 80kg e sangue O negativo, além de carregar os genes das ascendências portuguesa, inglesa, alemã e índia. É lá também que ele fornece seus exames de sangue, feitos anualmente, para tranquilizar as mulheres.
Na plataforma online (minimalista, de cores e fontes simples) ele conta sobre o método que desenvolveu para explicar a reprodução humana, o Genismo. Ateu militante, como o próprio se descreve, ele diz que o ideal por trás do termo tem como objetivo imputar a ideia consciente de que os genes são importantes. “Para mim, filho é uma forma de imortalidade. Eu vou morrer mas meus genes ainda vão continuar por aqui através deles”, explica.

Para Jocax, o principal motivo para a procura da inseminação caseira é o valor. “Clínica é muito caro. Enquanto lá chega a R$ 10 mil, aqui é só o valor do quarto”, disse à VICE. “Outro ponto positivo é conhecer o doador. Na clínica você não sabe se o cara é retardado, se é muito feio. O cara pode ser um ex-presidiário e você não tá sabendo. É um tiro no escuro.”
Júlia, mãe do Pietro, considera o valor o maior diferencial, mas a sua procura por um doador não-anônimo também tinha outro motivo. “Perguntei qual seria a reação dele se algum dia meu filho quisesse conviver com ele e ele respondeu ‘É o seguinte: se a mãe quiser contato, é óbvio que eu quero. É meu filho’. Então aquilo me deixou com o coração muito feliz porque meu maior medo era o Pietro crescer e eu ter que esconder a história dele”, conta.
Após conferir os exames de Jocax e se certificar que estava tudo certo na saúde de ambos, foram quatro ciclos de tentativas no espaço de mais ou menos um ano até a contadora conseguir engravidar. Três delas foram com o João Carlos e a outra com um doador búlgaro. “Todos os negativos foram importante para não pensar em desistir. Eu vi que realmente precisava passar por aquilo para ter ainda mais força e acreditar que meu sonho poderia se realizar.”
Com o resultado do teste de gravidez positivo, a contadora teve uma gravidez tranquila e, ao contrário do que alguns médicos diziam, o Pietro nasceu totalmente saudável. “Eu me orgulho muito do método e, se necessário, faria tudo de novo para tê-lo. O João Carlos é um anjo.”

O primeiro contato do casal com o Pietro foi três meses após seu nascimento e, apesar de ser o 9º bebê nascido pelo método, foi a primeira vez em que a mãe decidiu manter contato com o casal. “Pelo menos uma vez a cada três meses eu tento encontrá-los, e também converso com algumas mães dos meio-irmãos dele. E é incrível porque, mesmo sem entender ainda, ele já chama o João de papai.”
Agora, Júlia está em busca de um irmão ou irmã para o filho. “Eu sempre tive na minha cabeça que queria ter dois filhos e agora estou em busca do meu segundo positivo. Fiz a primeira tentativa esse mês e vou tentar até dar certo”, completa.
Ilegalidade
A advogada criminalista Carla Rahal explica que o método não é reconhecido no Brasil como uma forma legal de filiação e paternidade e, por isso, os direitos e deveres são os mesmos de uma gravidez comum. “A mulher pode cobrar pensão, uma vez que a paternidade seja reconhecida pelo exame de DNA, e o doador pode pedir a guarda compartilhada da criança de igual maneira”, pontua.
Quanto ao contrato feito com algumas mães, a criminalista explica que a validade jurídica é julgada em particular, dependendo da situação, já que envolve menores de idade e o procedimento não é regulamentado.
Sob os olhares da medicina, a técnica também não é nem um pouco bem vista. Segundo o ginecologista e diretor de Reprodução Humana do Hospital Pérola Byington, Mario Cavagna, o método não deve ser feito e nem incentivado. “A inseminação tem momento certo de ser feita, tem que ter um controle de ovulação. Isso exige uma monitorização médica, eventualmente até o uso de algumas medicações. A prática caseira chega a ser criminosa”, fala.
Segundo Cavagna, o Sistema Único de Saúde oferece tratamentos totalmente gratuitos para mulheres que querem engravidar. “Conseguimos fazer de 50 a 100 ciclos de inseminação por ano, o que é um número muito menor do que a oferta. Teríamos que fazer dez vezes mais para atender toda a procura. A demanda reprimida é realmente grande e isso dá margem para procedimentos ilegais”, explica.