FONTE: O GLOBO
Projeto muda condução de ações de consumidores e divide especialistas
Novo mecanismo traz risco de contestação e pode travar processos

BRASÍLIA - Passou na Câmara o projeto 6371/13, que acrescenta ao CDC (Código de Defesa do Consumidor) a determinação para o juiz ordene a inversão do ônus da prova no mesmo despacho em que marcar a audiência de instrução e julgamento. A medida, que pode ter grande impacto em ações de pequenas causas, tem potencial para acelerar o andamento dos processos, mas há quem veja retrocesso e receie que venha a "travar" as ações e confundir os processos que correm nos juizados especiais cíveis.
A proposta, do deputado Eli Correa Filho (DEM-SP), foi aprovada no último dia 19 em caráter conclusivo e segue para o Senado.
O ônus da prova é obrigação de quem afirma o direito, ou seja, quem vai à Justiça se queixar do outro, explica o advogado André Hermanny Tostes, sócio do Tostes e Associados Advogados.
- Mas, nas relações de consumo, sobretudo contra grandes corporações, quem leva a questão ao Judiciário tem menor capacidade de fornecer provas, tem hipossuficiência na produção de provas.O CDC já permite que o ônus da prova se inverta. Assim, quando um consumidor vai à Justiça - por exemplo, para se queixar de vício num produto -, o juiz pode mandar a empresa provar que o item não tem tal problema.
REGRAS DE JULGAMENTO
O que o PL 6371/13 fixa é o momento em que a inversão se dá: já no começo do processo.
- Hoje não há uma regra, pode ser no início, no meio do processo ou até na sentença. Pelo projeto, o juiz seria obrigado a decidir isso ao marcar a audiência (no mesmo despacho). Para as partes fica claro quem terá o ônus de provar, o autor (consumidor) ou o réu (fornecedor) - diz Karina Penna Neves, coordenadora do Innocenti Advogados, que avalia a proposta como positiva.
Diogo L. Machado de Melo, especialista em direito processual civil e diretor do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), também aprova o projeto.
- Hoje a inversão pode vir como surpresa para as partes, o que fere o direito de contraditório previsto na constituição. A reforma é salutar e põe uma pá de cal em discussões acadêmicas envolvendo a inversão do ônus, impedindo que o juiz surpreenda as partes e diga que inverteu o ônus apenas quando do julgamento.
POSICIONAMENTO MAIS ACELERADO
Para Tostes, ao determinar que isso no mesmo momento em que marca a primeira audiência, o juiz poderá dar mais celeridade ao processo, pois as empresas devem ficar mais propensas a se manifestar. Uma conciliação poderia sair antes.Diretor de Pesquisas e Projetos na Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), Ricardo Morishita, concorda que o mecanismo acelerar o posicionamento das empresas.
- Afinal, o fornecedor assumir o risco de ser condenado por não produzir provas para se defender. Por outro lado, diz o especialista, a empresa pode questionar essa inversão e travar o processo de fato.
Para o juiz Flávio Citro de Mello, porém, a proposta é um retrocesso:
- Nos juizados especiais cíveis, por exemplo, não existe este momento processual indicado no projeto de “marcação da audiência de instrução de julgamento”. Assim, o que implicaria na impossibilidade de inversão? - questiona.